Alcachofra
(um dos motivos mais frequentemente glosados na arquitectura manuelina.)
Inflorescência do cardo, símbolo da regeneração individual ou colectiva, a qual, num contexto cristão, figura a ressurreição de Cristo (igreja da Golegã, mosteiro dos Jerónimos e convento de Cristo, de Tomar). Queimada na fogueira na noite de São João, é colocada ao relento pelos namorados. Se, na manhã do dia seguinte, tiver reflorido isso é augúrio de que se querem da “raiz do coração”: “Alcachofra florida / Florida te encontrei / Se meu amor me quiser bem / Florida te encontrarei”. Em Óbidos, diz-se ao chamuscá-la: “Alcachofra do amor, / onde se pinta a vontade, / Se me saíres florida, / Trato-te com lealdade”. A alcachofra é emblema do amor e com esse significado surge nas colchas de Castelo Branco. Em Elvas, a realização da sorte da alcachofra era realizada com três alcachofras, uma das quais se prendia uma com fio branco, outra com fio preto e a terceira com fio vermelho: a florescência da marcada com o fio branco indicava que a jovem havia de casar com um rapaz solteiro; a do fio preto que havia de casar com um viúvo; a do fio vermelho que ficaria solteira. São correspondentes da alcachofra para a revelação das “benquerenças” (obtida pela “sorte da alcachofra”) o “rabo-de-gato”, a *erva pinheira, o *azevinho, a laranjeira e a folha de figueira. Nos concelhos de Proença-a-Nova e Sertã, as “capelas” desempenhavam tal função. Os ídolos alcachofra neolíticos, em calcário (vulgarmente denominados pinhas), simbolizando a morte-ressurreição (tholos do Barro, gruta da Cova da Moura, necrópole do Cabeço da Arruda e tholos da Serra das Mutelas, tholos de Pai Mogo, tholos do Vale de S. Martinho e dolmen do Monte Abraão, Lapa do Bugio, gruta de Alapraia, Vila Nova de S. Pedro, grutas de Carenque, necrópole da Serra das Baútas), assemelham-se a outros de Hissarlik (Tróia) e ao thyrsus de Dionísio e Baco. Com o mesmo significado alcachofras ocorrem na escultura tumular oitocentista, muitas vezes em duplicado: floridas e secas. Virgílio Correia compara tais ídolos pré-históricos com as “maças de guerra africanas, com cabo curto […], terminando em pinha irregular e multiforme” (Idolos Prehistóricos tatuados de Portugal, p. 101). Adivinha: “Está uma esfera armada / Com armas para temer. / Eu só, uma pobre mulher, / Tenho que dar que comer. / Dá tinha, que tinha, / (Que não adivinha!) / Até mais não poder ser”.
Bibliografia: ANÓNIMO, Entremez sobre o uso das alcochofras, Lisboa, 1785; ANÓNIMO, A grande bulha e desordem que tiveram as vizinhas e as criadas por amor das alcachofras, Lisboa, 1790
Fragmento do livro AMULETOS da Tradição Luso-Afro-Brasileira de Manuel J. Gandra
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