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DOMINGOS VANDELLI, JOSÉ BONIFÁCIO E A INFLUÊNCIA DA MAÇONARIA CARBONÁRIA – Artigo da Gazeta Va

Durante o século XIX são várias as referências às ações da Maçonaria no Brasil. Apesar disso, com exceção de alguns estudos recentes a esse respeito, a história da Maçonaria ainda é muito pouco conhecida, não tendo chegado a se constituir em tema corrente de pesquisa acadêmica. O desinteresse em torno do pertencimento maçônico é, de certa forma, interessante pois, por um lado, há uma visibilidade dos maçons nas obras produzidas ao longo do século XIX; por outro, aqueles mesmos personagens históricos foram destituídos de sua identidade maçônica nos estudos de caráter acadêmico das últimas décadas. Não obstante algumas construções teóricas apontarem para o pertencimento maçônico de tal ou qual personagem, “o seu registro se assemelha a um daqueles adjetivos inseridos casualmente em uma frase e cuja retirada não faria a menor falta na medida em que pouco contribui para estabelecer o nexo explicativo de uma questão” (MONTEIRO, F., NEVES DA SILVA, C., A Cruz e o Compasso: uma intrincada relação histórica, 2011, pp. 19- 31).

Elemento pouco divulgado é o de estas sociedades, por vezes secretas, mas mais propriamente iniciáticas, serem na origem organizações académicas e mesmo estudantis. Podem elas evoluir a ponto de congregarem membros de todas as idades e estratos sociais, como sucedeu com a Carbonária Portuguesa, nas imediações da implantação da República, em que se diz ter contado com mais de quarenta mil membros, porém o seu surgimento é em regra universitário e coimbrão.

Maria Estela Guedes afirma que entre as várias ordens maçónicas, existe a Maçonaria Florestal ou Maçonaria da Madeira. Integrantes dela, funcionaram em Portugal instituições diversas, mencionadas pelos historiadores desde a segunda metade do século XVIII, pelo menos. A Sociedade dos Jardineiros, por exemplo, atuava em Coimbra ao tempo em que Almeida Garrett era estudante, uma vez que foi seu fundador ou restaurador. Dentre os personagens famosos da Maçonaria Florestal, encontram-se Domingos Vandelli e José Bonifácio de Andrada e Silva, uma das figura centrais na “Independência” do Brasil.

Embora consabido que o Império e a República do Brasil são construções maçônicas, até o presente a historiografia nacional lida com o assunto de modo tangente. Portanto, o próprio “desinteresse” é indicativo e aponta para um cenário de fundo complexo e escamoteado. Vamos recordar alguns fatos para perceber que essa imensa lacuna na historiografia brasileira não é mero “desinteresse por falta de documento primário:

1) Bonifácio era Desembargador da Relação e Casa do Pôrto, cujo cargo ocupou até 1820, ano que veio para o Brasil depois de uma longa “insistência” junto à Corte. Nesta qualidade é pouco provável que não tenha conhecido os chefes da maçonaria vermelha do Pôrto que fizeram instalar a Revolução Liberal em 24/08/1821: o desembargador Manoel Fernandes Tomás, o advogado José Ferreira Borges, o juíz de órgãos José da Silva Carvalho, etc. Todos dominaram as Côrtes de Lisboa e apresentaram no dia 30/10/1821 um projeto de resolução mandando suspender os pagamentos a Bonifácio a menos que ele regressasse a Portugal. Desta maneira pode-se considerar no mínimo factível que tanto a “cidade” do Pôrto quanto a maçonaria vermelha em Portugal conheciam plena e intimamente as ideias políticas de JB. E é quase certo admitir que no ano 1820 ao partir para o Brasil JB já dava como certa a irrupção da Revolução Liberal. Igualmente, parece não haver dúvidas sobre as divergências de longa data entre JB e os chefes da maçonaria vermelha. O posterior deslocamento dele pelo Brasil e os “contatos” certeiros com os diferentes grupos maçônicos nos ajustes da Independência são provas incontestes neste sentido, ainda mais quando se considera que se tratava de “sociedades secretas”, ou seja, o que discute dentro das lojas é ordem para ser cumprida fora dela. Ou seja, é pouco provável que JB não seja maçon em Portugal e que sua “vinda” para o Brasil não seja uma das partes do plano da mesma;

2) A maçonaria esteve diretamente envolvida nas Inconfidências Mineira (1789) e Baiana (1798), na Revolução Pernambucana (1817), na Revolução Liberal do Porto (1820), Confederação do Equador (1824), Guerra dos Farrapos (1835), Sabinada (1837), Revolução Pernambucana (1861), etc, até o golpe da República. Vê-se ai os principais nomes da política nacional envolvidos. Os exemplos podem continuar. Além da maçonaria quais outros agentes históricos de importância revolucionária estão atuando em GRUPO de modo uníssono CONTRA a Coroa Portuguesa nesse período? Será preciso ter apontado esses OUTROS grupos para legitimar o discurso que a maçonaria se auto-promove sem legitimidade.

3) Os irmãos Andradas não tinham uma sociedade ou seja, não eram uma maçonaria em si mesmos, antes, pertenciam a uma e essa filiação vem da Europa para o Brasil (já em Coimbra) e, dado que somente em 30/11/1818 D. João VI expede Alvará proibindo a existência de sociedades secretas é de se ressaltar que até este presente momento, as “filiações” eram subterrâneas. Antes e depois do FICO as lojas maçônicas organizam-se de modos distintos em 2 linhas de atuação chamada “vermelha” e “azul” (denominação didática da historiografia moderna. No entanto, cabe lembrar que essas “divisões” internamente inexistem).

VERMELHA– Comércio e Artes (já existia no tempo de D. João VI), no início de 1822 subdivide-se em União e Tranquilidade (termos que serão usados em documentos oficiais de D. Pedro no dia do FICO) e Esperança de Niterói.

AZUL– da Comércio e Artes sai uma subdivisão que formará a Distintiva e o Clube da Resistência, futura Nove de Janeiro.

Vermelha terá como expoente J.G. Ledo e a Azul José Bonifácio ou Azevedo Coutinho. Os principais nomes dos maçons vermelhos e azuis foram os homens que trabalharam incansavelmente pelo “FICO”. Ambos os maçons faziam parte da mesma “loja” e estavam reunidos e unidos na luta contra o absolutismo e a igreja. Vitoriosa a Revolução Liberal eles se “separariam” em “lojas” bem caracterizadas como “vermelha” e “azul”.

No início de 1822, já se constatam movimentos de reorganização das lojas. Em Maio de 1822 no Rio de Janeiro ocorre a criação do órgão central diretor de todas as “lojas” maçônicas vermelhas: o Grande Oriente do Brasil. Antes dele, todas as “lojas” eram dependentes do Oriente Lusitano com sede em Lisboa. O mesmo movimento acontece com as “lojas” maçônicas azuis: o Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz. Assim, o projeto de reorganização das lojas” não emana do Brasil. Inclusivamente, de modo ingênuo tem-se atribuído a Bonifácio a autoria e criação do Apostolado. Tese bizarra que vai de na contramão da ligação do Apostolado com o projeto da Santa Aliança no Brasil, conforme defende Cipriano Barata. No mesmo sentido defende frei Joaquim do Amor Divino Caneca. As Atas das Assembléias do Apostolado que constam no IHGB dão subsídio que refutam a tese de centralidade das pessoa de JB como “autor” do Apostolado. Depreende-se que os persongens Ledo X JB quanto a mim são peças importantes dentro de uma engrenagem muito maior. Por conseguinte reduzir a mera disputa entre homens é escamotear um intrincado processo que envolve Portugal desde séculos antes. Para além disso, há outro problema: o ineditismo do nome composto atribuído por alguns historiadores ao Apostolado da “Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz”, o qual sai completamente do padrão titular das lojas penetrando na seara que leva à requisição pela maçonaria como herdeira e sucessora legítima da Ordem de Cristo isso sem considerar a “filiação” carbonária.

4) Para finalizar, a questão da filiação Carbonária de Bonifácio e Vandelli (ambos constam como maçons no Dicionário de Maçonaria Portuguesa, de Oliveira Marques:

a) Domingos Vandelli, foi chamado pelo Marquês de Pombal a lecionar História Natural e Química na Universidade de Coimbra, reformada sob o seu governo. Aparecem pela primeira vez em     Portugal os estudos e laboratórios de Química e Física, dadas por Vandelli, bem como, têm lugar escandalosos ágapes, que teriam mais a ver com desafios carbonários do que com o programa     da cadeira conforme cita ALMEIDA, M. L. (1937) – Documentos da Reforma Pombalina. Coimbra; b) Os alunos de Vandelli serão acusados de maçons. Duas acusações merecem ser retidas: naturalistas, pois todos eles deviam frequentar o curso de Filosofia Natural, e tolerantes. Ambas             centrais na maçonaria.; c) Uma parte significativa dos estudantes da Universidade de Coimbra, a partir de 1777, era constituída por portugueses do Brasil. Os que vieram a notabilizar-se, quase todos foram alunos de Vandelli: Visconde de Barbacena (primeiro doutor saído da Universidade Reformada, foi substituto de Vandelli na cadeira de História Natural e Química; governador de Minas Gerais, abafou a Inconfidência Mineira). José Bonifácio de Andrada e Silva (lente de Mineralogia e Metalurgia, cadeira criada expressamente para ser regida por ele, Intendente Geral das Minas e Metais do Reino, ministro de D. Pedro, pilar da independência do Brasil). José Alvares Maciel (iniciador e ideólogo do Tiradentes). Vicente Coelho de Seabra Silva e Teles (nomeado em 1791 demonstrador de Química, depois lente substituto de Zoologia e Mineralogia, e de Botânica e Agricultura). Manuel Joaquim Henriques de Paiva (primeiro demonstrador da nova cadeira de Química, médico, parte para a Bahia). Constantino António Botelho de Lacerda Lobo (lente de Química, sucede na Física a Della Bella). Manuel José Barjona (em 1791 nomeado lente substituto de Física e Química, depois catedrático de Zoologia e Mineralogia). Padre Tomé Rodrigues Sobral (sucessor de Vandelli em Química, depois Química e Metalurgia, dá aulas de 1789 a 1821, considerado o Lavoisier português). Manuel Ferreira da Câmara Bettencourt (Intendente das Minas de Oiro do Brasil). Bernardino António Gomes (no Laboratório da Casa da Moeda descobriu a cinchonina, lendo á Academia Real das Ciências de Lisboa, em 7 de Agosto de 1810, o Ensaio sobre o cinchonino e sobre a sua influência na virtude da Quina e doutras cascas, permitindo a Pelletier & Caventou descobrir a quinina dez anos depois). Baltasar da Silva Lisboa, e provavelmente José da Silva Lisboa, Visconde de Cayrú, jurista e maçon da Bahia). Padre Joaquim Veloso de Miranda (lente substituto de História Natural e Quí- mica, parte em 1779 para Minas Gerais). Francisco António Ribeiro de Paiva (lente de Zoologia e Mineralogia, director da Faculdade de Filosofia). E os viajantes-naturalistas João da Silva Feijó, Alexandre Rodrigues Ferreira, Manuel Galvão da Silva e José António da Silva.

Igualmente cabe ressalvar os casos de rede familiar + maçonaria que em geral não são levados em conta pelos historiadores, por questões de metodologia e paradigma, como por exemplo o caso do “naturalista” Alexandre Vandelli, filho de Domingos Vandelli, casado com uma filha de José Bonifácio de Andrada e Silva. A rede de “naturalistas” que casam-se com famílias brasileiras é digno de nota e nunca foi estudada a sério. Some-se a isso o fato de os “naturalistas” estarem diretamente envolvidos com as pesquisas e projetos de mineração da Coroa Portuguesa para termos um componente no mínimo intrigante e, apesar disso, “desprezado” pela historiografia nacional. Estamos diante de uma teia de circularidade onde o prisma da “Independência merece focos mais abrangentes, sem proselitismos. De saída, percebe-se que o papel isolado que Otávio Tarquínio constrói para a figura de José Bonifácio é um tanto quanto questionável. Foi um personagem importante e erudito.

Mas, a questão é: o que está por trás dele?

Loryel Rocha Apresenta todos os sábados 20 horas o programa “Culturas e Identidades”, na CULTURAonline BRASIL.

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